quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Te Wairoa - cap 3



Capítulo Três

“Tama, este é Mr. Edwin Bainbridge, o jovem jornalista inglês de quem te falei! – Mr. Bainbridge, este é Tama, meu funcionário, de quem lhe falei. Tama é um jovem de muito valor” – McRae apresentava Tama ao inglês.

“Seja bem-vindo à nossa terra!” – disse Tama, apesar de sua ‘certa resistência aos europeus’, exercia a cortesia devia aos visitantes. Como tinha dificuldades com o idioma inglês, Tama continuou falando em maori, contando nas palavras mais difíceis com McRae como tradutor, e, durante quase quinze minutos falou, movendo os braços em gestos graciosos como os de um dançarino.
O seu discurso era cheio de comparações complicadas e floridas metáforas. Mr. Bainbridge não compreendia as palavras em maori, só podia compreender as palavras quando o escocês as traduzia, mas o ritmo poético não precisava de interprete.  O inglês apreciou a beleza da saudação do jovem.
Após terminar a saudação, Tama recitou a sua genealogia, enumerando geração após geração de chefes e tohungas, até à sua canoa originária.
McRae explicou ao jovem inglês que a lenda diz que os maoris dos tempos antigos chegaram à Nova Zelândia, a que deram o nome de “Terra das Compridas Nuvens Brancas”. Eram sete canoas e os ocupantes delas foram os fundadores das sete tribos principais das ilhas. Os maoris podem traçar a sua origem até esses lendários barcos. Quando os homens maoris se encontram, uma das primeiras coisas que fazem é recitar a sua ascendência até essas canoas individuais.

Edwin sorriu e comentou “Enquanto eu no máximo saberia dizer o nome do meu avô!”.

Tama se sentiu ofendido com o riso do inglês, e julgou que este estivesse desprezando os costumes maoris. O inglês percebeu, pela expressão facial de Tama, o seu desagrado.

“Não me entenda mal, Tama” – disse simpático – “Eu penso que nós ocidentais deveríamos aprender muitas coisas com vocês polinésios! Inclusive a valorizar os ancestrais!” – e prosseguiu – “Sabe, o que me ocorreu agora? O Novo Testamento começa com o Evangelho, que se propõe a nos apresentar Nosso Senhor Jesus, e a primeira coisa que o Evangelho traz é a genealogia de Cristo, não lembra um pouco o costume maori?” – Edwin falava em um inglês pausado e pronunciando bem cada sílaba, para facilitar a compreensão de Tama.

Tama suavizou sua expressão facial e disse: “Vocês ocidentais sempre falando da sua Bíblia! O Senhor é protestante ou católico, Mr. Bainbridge?”.

“Por favor, não precisa me chamar nem de ‘senhor’, nem de ‘Mr.Bainbridge’, Tama! Chame-me de Edwin, meu primeiro nome... Creio que temos a mesma idade: 20 anos!” – disse o inglês, que se voltando para o dono do hotel, perguntou “Tama tem ocupações, Mr. McRae, ou posso conversar mais longamente com meu novo amigo?” – McRae consentiu, mesmo que o funcionário fosse fazer falta, o dono do hotel não poupava gestos para agradar ao jornalista, cujo artigo atrairia muitos turistas.

Edwin colocou a mão no ombro de Tama, em um gesto convidando para caminharem um pouco e conversarem.

“Então, Tama, te respondendo, eu sou protestante”.

“Eu me sinto confuso com isso de protestantes e católicos, não consigo ver muita diferença entre as duas religiões!” – comentou o maori – “Quando os missionários chegaram aqui, um de nossos antepassados encontrou uma solução para os diferenciarmos – ele traçou uma linha no centro da povoação e disse: Os que estão deste lado serão protestantes, os do outro lado serão católicos – e assim continua até hoje”.

Edwin se divertia com as histórias contadas por Tama.

“Não tenho nada contra missionários a não ser alguns absurdos que dizem!” – disse o maori.

“Como o que, por exemplo?”.

“Dizem que é errado fazer tatuagens! Dizem que o deus de vocês proibiu desenhos na pele! Não entendem o significado das tatuagens, nem as nossas crenças! As tatuagens têm o poder de curar e de precaver do que pode vir, de proteger, a afastar, de atrair, reverenciar, saudar e de lembrar!”

“Estou certo que também temos muito que aprender com vocês sobre tolerância!” – “Mr. McRae comentou comigo, que você se aborrece com a atitude de alguns turistas, mencionou especialmente uma senhorita de meu país que passou pelo hotel alguns dias atrás! Quero que saiba, Tama, que não sou como essas pessoas!” – disse o inglês.

Tama se sentia confortável e já simpatizava com esse inglês em particular, que parecia ser como seu patrão, o escocês Joseph McRae. – “Os europeus, especialmente os ingleses – digo em maioria – nos olham como se fossemos inferiores” – disse o jovem maori.

Edwin torceu os lábios e fez uma expressão manifestando lastima.

Tama, orgulhoso comentou “Nós, os Maoris, nunca nos rendemos aos ingleses, assinamos o pacto de paz, como iguais!”.

O inglês assentiu.

Tama continuou contando histórias: “Numa batalha, soubemos que os ingleses estavam com pouca munição e mandamos metade da nossa para eles, para que pudessem continuar a lutar”.

Mr. Bainbridge não conseguiu conter o riso, caindo em gargalhadas. Enquanto se esforçava para deixar de rir disse: “Meu amigo, não se ofenda com meus risos! Enviar munição para um inimigo durante uma guerra, para nós ocidentais, parece tão absurdo, que soa como uma piada! Jamais seriamos capazes de um gesto como este – o que os ingleses fariam no lugar de vocês seria se aproveitarem da situação! Com certeza os maoris são grandiosos guerreiros! Isso, Tama, é um exemplo ímpar do cavalheirismo e honra de seu povo!”.

Tama avistou, ao longe, uma moça, acompanhada por um homem. Tratava-se de Clara, filha de Charlez Haszards, acompanhada pelo inspetor Mr. Harris Lundius– um dos inspetores esperados pelo diretor da escola que haviam chegado.

– Você, sendo de Auckland, uma cidade grande, deve estar achando tão chato estar nesse lugarejo, que é Te Wairoa, Mr. Lundius – dizia Clara.
– Pelo contrário, estou apreciando muito a visita – respondeu o inspetor.
– Isso é, certamente, gentileza sua, Harris. Ups, posso chamá-lo pelo primeiro nome, Mr. Lundius?

– Claro – Harris Lundius consentiu simpaticamente e sorriu para a jovem.

– Acredita que eu nunca fui a Auckland? Mas tenho tanta vontade! Um dia eu vou morar lá, não quero passar a vida em uma aldeia atrasada... Acho tão bonito o jeito de vocês de Auckland falarem! – continuava Clara.

– Ah, você já visitou os terraços branco e rosa? – Clara se lembrou da atração que tornava a insignificante aldeia atraente até para pessoas de Auckland ou qualquer grande cidade do mundo.


Tama se esqueceu da conversa com o inglês e passou a acompanhar Clara e Lundius com o olhar. Depois de algum tempo botou a língua para fora – como fazem as crianças “dando língua”.

“Conhece esses dois?” – Edwin se admirou de Tama “dar língua”, mas deixou a curiosidade sobre o gesto pra lá.

“Ela é a Clara, é professora na escola. Ele deve ser um dos visitantes que o professor Charlez andava esperando!” – Tama parecia não gostar de vê-los juntos.

Edwin preferiu perguntar sobre os vulcões extintos, situados à cerca de catorze quilômetros da aldeia, e continuar a obter de Tama material sobre os maoris: “O que você saberia me contar sobre o monte Tarawera?”.

“Você deveria perguntar aos chefes e mais antigos, eles teem muito mais conhecimento” – respondeu, humildemente, Tama.

“Estou aprendendo muito com você!” – disse o inglês.

“Por gerações, dois importantes grupos do povo Arawa moraram perto da montanha Tarawera. Ao longo de muitos anos batalhas foram travadas pelo controle da terra. Os Ngati Rangitihi de Te Arawa controlaram, o lado Nordeste do Tarawera, incluindo pico central da montanha, Ruawahia. Enquanto isso, os Tuhourangi, também de Te Arawa, tinham poder sobre os lagos de Tarawera, incluindo os terraços de Rotomahana. Naquele tempo cada geração colocou os ossos de seus mortos em lugares secretos em suas encostas superiores. A montanha é sagrada” – disse Tama, dando ênfase à sacralidade da montanha.



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