sábado, 18 de outubro de 2014

A Menina que Curava




Hope olhou para Job, que estava ao volante, e segurou-lhe carinhosamente a mão direita. Sentia-se mais feliz do que em qualquer época da vida de que se lembrasse. 
O casal deixava o extremo nordeste dos Estados Unidos, onde Hope nascera e vivera até então, e viajavam com destino a Denver.
Tudo o que Hope mais desejava era deixar tudo para trás, tudo ficaria no Maine e começaria uma vida nova e feliz com Job em Denver.
Amy, filha de Hope, fruto do seu primeiro casamento, estava sentada no banco de trás do carro.
Job era completamente diferente de Vince – seu primeiro marido – Ele a amava e queria de verdade ser feliz com ela e a pequena Amy, diferente de Vince, interesseiro.
Era linda a vista a partir daquele ponto da estrada, que contornava as montanhas, era a vista de um verdadeiro milagre!

Uma curva longa, sem visão devido à encosta, Job virou o volante bruscamente por causa de um caminhão em sentido oposto, que fazia uma ultrapassagem imprudente – talvez houvesse óleo na pista – era um trecho com muito trafego de caminhões madeireiros, e era comum haver óleo no asfalto – Job tentou manter o carro na pista. Poderiam acabar caindo pelo desfiladeiro. O carro derrapou e capotou várias vezes.

***

30 anos antes...

Algo faltava à vida do Reverendo Issac Donaldson e de sua esposa Olivia. Responsável há mais de dez anos por sua igreja, o reverendo já beirava os cinquenta anos e ainda não tinha filhos. Há muitos anos esperava que sua esposa engravidasse. Olivia era apenas dois anos mais jovem que seu marido. Estavam casados há mais de vinte anos.
Olivia sofria pela ausência de gravidez, pensava que talvez fosse estéril, ou o marido o fosse... pensava em adotar uma criança. O reverendo discordava. – Tentavam há tantos anos! “A razão para ainda não termos tidos filhos, pode ser que o Senhor tenha algum proposito, um plano para nossas vidas” – dizia Issac Donaldson à esposa. E em respostas às preocupações da esposa sobre ‘gravidez de risco’, respondia “Abraão e Sarah eram já avançados em idade quando Sarah concebeu Isaque... O Deus daqueles tempos é o mesmo Deus hoje!”. – dizia citando o livro de Genesis.
Olivia colocava a intenção de engravidar em todas as campanhas de oração com as irmãs de fé.

Até que, finalmente, um dia, chegou a grande notícia: Olivia, esposa do reverendo, estava grávida – houve grande regozijo da comunidade...

Os exames revelaram que seria uma menina – como foram tantos anos de expectativa e anseio por essa gravidez, decidiram dar à menina o nome “Hope”.*

* (hope = esperança)

Houve o caso de uma mulher que frequentava a igreja que ao passar a mão na barriga de Olivia - quando esta estava de oito meses – desmaiou instantaneamente e ao acordar vomitou uma estranha gosma negra, e, a partir desse momento nunca mais voltou a fumar – lutava contra esse vício desde que passara a frequentar a igreja do reverendo Donaldson.

Após o nascimento, muitas irmãs foram visitar a recém-nascida. Uma mulher que lutava contra uma doença e os médicos já haviam marcado a data para amputar-lhe uma das pernas, sentiu-se “eletrificada” ao segurar a bebê.
Após isso os médicos constataram que estava sã – o fato foi considerado milagre, e atribuído ao bebê. 

Quando Hope tinha sete anos, sua mãe a observava da varanda da casa paroquial, quando viu a menina se aproximar de um gato ferido – ela o segurou por um tempo e o animal ficou curado. Olivia contou o ocorrido ao marido.

Hope possuía um dom! A menina era uma dádiva de Deus.

Hope ministrava orações de cura durante os cultos, e muitas pessoas eram curadas pela imposição de suas mãos. 
Os cultos de cura, realizados às quintas-feiras passou a lotar de pessoas em busca de milagres. Muitos casos de curas milagrosas eram atribuídos à menina. Os fiéis caíam às pencas, quando a pequena Hope erguiam as mãos em direção à assembleia ali reunida; e quando levantavam estavam curadas.

Hope ganhou notoriedade nacional e pessoas de várias partes dos Estados Unidos viajavam ao estado de Maine para serem curadas pela menina milagreira.

“Não executo os milagres, se acontecem é pela Graça de Deus, que me usa como um canal para as Suas bênçãos” – a menina respondia ao jornalista com a frase que refletia o que aprendera de seu pai, o reverendo.
“O que eu faço é orar a Deus e peço que as cure”.

Entretanto, a vida da pequena Hope, de rosto angelical, cabelos loiros e olhos de anjos, não era tão boa na escola.
As demais crianças a julgavam “estranha” e a menina vivia isolada pelas demais.
Hope observava de longe as outras garotas sem ter coragem de se aproximar.
Certa vez viu Megan Stark cair de um brinquedo. Megan chorava no chão – havia quebrado o braço na queda. Hope se aproximou e a tocou – o braço de Megan se curou na hora. Megan ficou olhando para Hope, que apenas sorriu, e voltou ao seu canto isolado.

Anos mais tarde, quando Hope tinha já onze anos. As outras meninas da escola a cercaram e caçoavam dela, chamavam-na de “bruxa” e a ameaçavam... Megan Stark – a quem Hope curara anos atrás – sentiu vontade de se colocar contras as demais meninas, mas não teve coragem. Hope correu e entrou no prédio da escola. Ao entrar na sala de aula vazia a porta atrás dela bateu sozinha, se trancando. Hope se sentou com os pés em cima da carteira e colocou a cabeça entre os joelhos. Inexplicavelmente um incêndio começou na sala. Tentavam sem êxito arrombar a porta e o incêndio rapidamente se alastrou por toda a escola. Um bombeiro, finalmente, entrou no prédio em chamas, e com um machado arrebentou a porta da sala onde se encontrava Hope – o bombeiro saiu do prédio com a menina nos braços. A menina em estado muito grave foi levada ao hospital. 
Os médicos deixaram a sala onde tentaram salvar a criança – apesar de todos os seus esforços não puderam evitar seu falecimento. Quando estavam se preparando para notificar o óbito da filha ao reverendo Donaldson, Hope surgiu no corredor – sem uma marca sequer das queimaduras.

Hope passou a ter aulas particulares em casa. Seu mundo se resumia basicamente à igreja, e a casa paroquial... Certa vez, fora reconhecida na rua, enquanto acompanhava a mãe, e uma multidão as cercou – foi preciso ajuda policial para conter a histeria de uma multidão, que pediam cura para si e para parentes. Depois do assédio histérico em massa Hope sentia-se esgotada – como se uma grande parcela de energia se tivesse desprendido dela. – Desde então, a menina viveu confinada.

Aos catorze anos aconteceu o evento mais traumático da vida de Hope. Ao entrar em casa o reverendo Donaldson percebeu uma música tocando dentro do quarto fechado de Hope. Ele subiu as escadas e encontrou a filha dançando uma música secular – “Baby one more time” de Britney Spears. Issac Donaldson arrancou o cinto e surrava a menina enquanto gritava para esta sobre “a música do mundo” e sobre “como aquela música serviria de entrada para Satanás naquela casa e na vida dela”, sobre “a luxúria daquela dança sensual”...
Naquele instante Hope sentiu muito raiva! Gritava para que o pai parasse... o reverendo foi arremessado para trás e sentiu o peito apertando... ficou sem ar... uma dor horrível no tórax... Hope agora se desesperava ao ver o pai se contorcer...
O reverendo Donaldson morreu de enfarte do coração.

Olivia Donaldson ocultou a todos o que exatamente aconteceu no exato momento da morte do marido.

Céticos – os mesmo que duvidavam que Hope fora socorrida já em estado gravíssimo do incêndio que provocara (certamente com fósforos e algo inflamável) na escola – se perguntavam por que “a menina que ressuscitou em um hospital de Maine” não ressuscitou o pai.

A morte do pai fez Hope acreditar que – dom de Deus, ou o que fosse – aquele “poder” que trazia consigo, não era algo que servia apenas como “benção”, mas que também poderia ser “maldição”. O modo como vivia e a perda do pai, certamente não eram uma benção. 

Aos vinte anos Hope deixou sua casa, sua congregação e sua mãe, mudou-se para uma cidade vizinha, onde esperava viver livre e não ser mais “a menina dos milagres”.

Foi quando conheceu Vince Lachance. 
Vince era bonito, e parecia corresponder a todos os anseios de vida de Hope. Ele era muito galanteador e em pouco tempo envolveu a inocente Hope, fazendo-a se apaixonar perdidamente por ele.

Algum tempo depois que já estavam juntos, Vince revelou que desde o início sabia tratar-se da garota que fora conhecida como a criança milagrosa. Vince também deu a Hope um novo entendimento sobre “seu dom”. Hope se converteu ao Espiritismo e agora se definia como “paranormal”. Nesses tempos recebeu a notícia da morte da mãe, com quem não conversava há dois anos.
Vince se aproveitava de Hope, e, com muita habilidade em manipula-la a transformou novamente em “grande atração”, conseguindo, inclusive, espaço na tevê para “shows de milagres da paranormal Hope”...

No entanto... À medida que o tempo passava Hope era cada vez menos capaz de executar os tais milagres... Antes era capaz de grandes curas... e agora apenas casos mais simples eram confirmados... 

Muitas pessoas que acreditavam terem sido curadas pela Hope, a paranormal, eram depois internadas e suas momentâneas melhoras dadas como psicossomáticas.
Vince procurou forjar milagres – primeiro sem o conhecimento de Hope, e posteriormente a envolvendo nas farsas... Hope aceitou isso por um tempo... Mas com o passar de alguns anos, de mau convívio com Vince, de desconfiar que o marido a traía... Hope deixou de amar Vince e de ser manipulada por ele... Hope foi, inclusive, a público falar sobre sua vida, sobre as farsas de Vince e sobre seus “dons”.

Hope acreditava que seu “Dom” diminuíra ao longo dos anos – era como se o poder de curar fosse uma energia que trouxe consigo ao nascer, mas que ao ser usado ia se gastando... por esta razão era capaz de curas maiores quando criança...

O divorcio com Vince Lachance foi um processo longo na justiça, assim como a disputa pela guarda de Amy – filha do casal. Talvez tivesse sido ainda mais difícil se Amy tivesse “herdado algum dom da mãe”...

Nesse momento da vida, que Hope conheceu Job Newsome. 
Job – recebera esse nome dos pais mórmons – era um bom rapaz, trabalhador, honesto... e sinceramente apaixonado por Hope. Também se deu muito bem com a pequena Amy.
Job tinha uma boa oportunidade em sua área profissional oferecida por uma companhia de Denver... Lá casaria com Hope e iniciariam vida nova.

***


– Após as capotagens do carro, que parou virado de cabeça para baixo à beira da estrada, e perigosamente próximo ao guard-rail. Job estava desmaiado e Hope muito ferida se esforçava para retirar a pequena Amy do carro...

Hope viu a filha morrer em seus braços... abraçou forte contra o peito o corpo da filha morta...

Momentos depois quando outro carro parou ao ver o veículo capotado e o motorista encontrou e despertou Job, estes encontraram Amy sentada ao lado do corpo caído de Hope, que jazia à beira da estrada.

Hope fizera sua escolha e precisara usar tudo o que lhe restara.


5 comentários:

  1. Muito boa tarde querida Aline..
    uma baita história..
    fato é que temos a nossa cura em nossas mãos.. todos nós.. mas muitos não ligam para isso..
    tem um livro chamado mãos de luz.. fora tantos outros que explicam sobre isso..
    bem como foi dito..
    seja ela ou quaisquer outra pessoa..
    ng cura ng.. a própria pessoa se cura se acreditar que é saudável e não se ver como coitadinha para que outros sintam pena dela..
    tem pessoas que nascem com dons.. mas quando estes são mal usados tudo vira ao avesso..
    sem falar que existe um grande jogo do carma em torno disso tudo..
    o carma não é um castigo... é um equilibrio..
    usar a mídia para promover eventos de paranormalidade é outro erro.. pois isso só aguça curiosos..
    mexem com coisas que deveriam ficar quietinhas..
    gostei bastante do que li.. beijos meus e até sempre

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  2. Muito bom esse conto, parabéns pela criatividade.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  3. A mãe sempre dá a vida pelos filhos.
    Belo escrito.
    Bjs

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  4. Hoje estou passando somente para matar as saudades,
    e marcar minha presença.
    Sem duvidas levo no coração sua postagem.
    Só assim valerá a pena minha presença aqui.
    Um feliz continuar de semana .
    Beijos..Evanir.
    Quantas saudades!

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  5. Que história forte,amiga!
    mas as mãos podem mesmo curar, muitas pessoas são capazes através de estudo do magnetismo, já li um livro"mãos que curam", maravilhoso!
    Somos pura energia, mas ainda não sabemos administrar !
    Muito linda toda a história, apesar de saber da tristeza interior, dos momentos muito fortes, gosto de mistério sempre!
    bjus e um final de semana iluminado,querida!
    http://www.elianedelacerda.com

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