sábado, 31 de janeiro de 2015

Trash Tales



Conto inspirado em uma lenda que me foi relatada por Samuel Balbinot.


O Criador de Porcos



Frank McCurdy atirou longe o prato de comida.

– “Que porcaria de comida você me serve!” – esbravejou contra a esposa.

Norma olhava para a comida esparramada pelo chão do casebre.

– “Nem tem uma mistura decente!” – continuava Frank.
– “Frank, você sabe que estamos sem dinheiro para mistura” – a esposa respondeu em tom manso.

Frank ficou ainda mais nervoso, pensou em esbofeteá-la, mas – dessa vez – se conteve.

– “Como podemos ter algum dinheiro, se os malditos porcos não engordam! Sabe há quanto tempo não consigo vender um?” – Frank disse, levantou-se e passou pela comida no chão.
– “Tá esperando o que para limpar essa porcaria?” – esbravejou novamente contra a esposa.

Norma submissamente começou a limpar o chão, enquanto Frank olhava, pela janela, para o chiqueiro.

– “Você pode dar o resto dessa lavagem que você preparou para os porcos! Quem sabe eles engordem com ela!”.

Em um dos raros momentos em que a esposa teve coragem de falar como se sentia, Norma disse, com voz quase sussurrante:

– “Sinto falta que você seja mais carinhoso comigo!”.
– “O que você quer agora, Norma? Que te compre presentes? Você mesma acabou de lembrar que não temos dinheiro sequer para a mistura!”.
– “Poderia apanhar uma flor no campo para mim”.
– “Você quer uma flor do campo, você vai até lá e apanha, oras!” – respondeu ríspido o marido e saiu para ver os porcos.

***

Na noite do dia seguinte Frank reclamava com a esposa sobre os porcos não engordarem. Toda a renda do casal provinha da pequena criação.

– “Frank, acho que devemos rezar a Nosso Senhor, pedindo engorda para a criação. Podemos rezar uma novena” – disse a esposa, muito devota da fé católica.
– “É! Talvez isso ajude! Pode ser mau-olhado dessa gente!” – o marido respondeu, pensando nos lavradores vizinhos, os quais considerava invejosos.

***

Passaram-se alguns dias e os porcos continuavam magros.

***

Encostado à cerca do chiqueiro, Frank olhava para os porcos.

– “Esses malditos porcos estão melhor alimentados do que eu, comendo a miséria de dinheiro que me resta em ração, e não engordam!”.

Lembrou-se da novena, e, metendo a mão no bolso, puxou o crucifixo que a esposa lhe dera. Frank segurou o objeto sagrado diante dos olhos e esbravejou contra a imagem do Cristo:

– “Bela porcaria de deus surdo é você! Meus porcos continuam magros! Você vê os porcos magros? É cego também? Mas o que se pode esperar de um deus morto pregado nessa porcaria de cruz!”.

Blasfemando dessa forma, Frank McCurdy atirou a cruz com a imagem de Cristo na lama do chiqueiro – o crucifixo foi pisoteado, esmagado e enterrado na lama pelos porcos.

***

No dia seguinte pela manhã a esposa comentou:

– “Parece que você está um pouco mais gordinho, seu rosto está mais cheio”.
– “Até parece que eu iria engordar comendo mal como estamos comendo! Talvez se eu comesse a ração dos porcos!” – o marido respondeu com raiva.

***

Mas Frank estava realmente engordando, e muito rapidamente. O que se tornou muito evidente em pouco tempo.
Bem mais gordo, e suando muito, sentado à mesa, Frank ofegante pelo calor, disse à esposa:

– “Estou mesmo ganhando peso! Mas como? Tenho me alimentado mal!”.
– “Talvez devesse ir ao médico, você deve ter algo!”.
– “Médico a léguas daqui! Médicos cobram muito dinheiro! Não temos condição de ver médicos!”.

***
Frank, que não parava de engordar começou a fazer dieta. Mas a dieta em nada ajudava.

***
A cada dia que passava Frank McCurdy estava mais gordo, mais nervoso e mais rude e violento, física e psicologicamente, contra a esposa. Norma evitava dizer qualquer coisa, pois o que fosse que falasse ao marido, resultava em ignorância.

***
A pele de Frank começou a ficar estranha. Esta se tornara mais grossa.
Seu rosto também parecia se desfigurar com o passar dos dias.

***
Desesperado por estar cada dia mais gordo, Frank McCurdy parou de se alimentar. Mas nada alterava sua situação.

***

Certo dia, Frank foi jogar lavagem para os porcos.
Faminto, sem se alimentar por vários dias, Frank olhou para a lavagem no comedouro. Sentiu uma vontade incontrolável de provar aquilo. Entrou na pocilga, se abaixou e, com a mão, apanhou um pouco da lavagem.
Olhava as mãos cheias de lavagem, com muita vontade de levar à boca. Olhou para os lados – não havia ninguém: Provou.
Cedendo completamente à vontade de comer aquilo, meteu a cara no comedouro.

Norma foi procurar pelo marido, encontrando-o com a cara enfiada no comedouro, junto aos porcos. Enojada, levou a mão à boca, sentindo vontade de vomitar, correu de volta para a cozinha.
Frank a viu e a seguiu.
Com a cara toda imunda disse à esposa sobre a vontade incontrolável de provar aquilo.

– “Frank, você precisa do médico!” – disse Norma muito assustada com o aspecto do marido – “Limpa esse rosto, limpa a boca!”– disse em tom quase de súplica.

Frank foi ao banheiro e, depois de lavar o rosto, olhou-se no espelho. Seu nariz estava enorme – redondo demais, empinado.

Quando Frank voltou do banheiro, Norma disse:

– “O seu nariz! O que está acontecendo com você?”.

***

Certa noite, o enorme de gordo Frank, procurou a esposa desejando relação íntima.
Pela primeira vez, Norma negou.
Frank, mais uma vez, a esbofeteou, esbravejou contra ela os seus “direitos de marido”. Subiu sobre ela, com todo seu enorme peso, e obrigou-a a satisfazer seus anseios.
Frank gordo suava demais durante o ato sexual, e fazia ruídos muitos estranhos. Norma chorava debaixo daquele homem repulsivo.
Após o ato o marido teve dificuldades com a respiração, tendo um principio de asfixia.
Depois que se recuperou, deitou-se virado para o outro lado.

***

Norma mal conseguiu dormir aquela noite.
Pela manhã bem cedo se levantou, olhou aquele homem enorme de gordo e suado dormindo.
A esposa, então, fez o que deveria ter feito há muito tempo. Juntou as poucas coisas que tinha e deixou a casa, abandonando Frank.

Frank acordou. Não vendo a esposa deduziu que ela partira. Quis esbravejar algo contra ela, mas a voz não lhe saía da boca, tudo o que fazia era grunhir.
Foi ao banheiro e se olhou no espelho.
Seu nariz estava pior.
Passou a mão pela cabeça e os cabelos caíram – restando apenas poucos fios.
Percebeu que suas orelhas cresceram – estavam grandes e caídas.
Começou a andar em direção à porta da cozinha, quando suas costas doeram tanto, que só conseguia andar muito envergado para frente.
Ao caminhar pelo quintal passou a só conseguir andar de quatro. Assim, seguiu até o chiqueiro, onde se meteu na lama.

***

No dia seguinte Frank McCurdy acordou metamorfoseado em um enorme porco*
(* meu “momento Kafka”)

***

Após alguns dias, Norma resolveu voltar à casa deles. Em lá chegando não encontrou o marido. Andava pela casa pensando sobre todos os fatos das últimas semanas quando ouviu alguém chamando da porteira e foi atender. Era um homem conhecido, que costumava comprar porcos do casal.
Norma levou o homem até o chiqueiro.
O Frank-porco, ainda mantinha a consciência e lembranças de quando fora humano, reconhecendo Norma ao vê-la.
Norma passou alguns instantes fitando os olhos do Frank-porco.
“Ela me reconheceu” – pensou Frank.

– “O seu marido não está?” – perguntou o comprador de porcos.
– “Não, mas podemos tratar sem problemas” – Norma respondeu olhando para Frank-porco.
“Maldita, ela quer se vingar de mim!” – pensou Frank.
– “Como o senhor pode ver, temos um porco muito bom! Como meu marido não está, o senhor o abateria? Sabe abatê-los, não é?”
“Maldita! Maldita!” – pensava Frank.
– “Gostaria de ver abatendo... posso aprender para outra eventualidade quando Frank também não estiver” – disse satisfeita Norma.

Frank McCurdy morreu como um porco.



4 comentários:

  1. Muito bom dia querida Aline...
    mas ficou de tirar o chapéu..
    conseguiu colocar todos os fatos, tudo muito bem distribuído.. conto assim o nosso querido Edgar allan Poe não fez rsrs fez muitas outras loucuras sim né...
    as pessoas podem não crer mas jamais devem ofender ou perder a razão ao falar de seres de luz.. imagina ofender a Deus.. ofende-se a si mesmo.. afinal somos partes dele...
    a parte do kafka tb ficou muito boa.. livro muito belo o dele.. e que gerou um poema meu tb...
    ainda espero ver um livro teu com estes contos.. mereces.. beijos e tenha um lindo dia doce Aline

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  2. Olá,amiga querida!
    você como sempre com contos incríveis,amo seus contos!
    Devemos pensar sempre antes de falar qualquer coisa que ofenda a qualquer pessoa, e nem pensar em ofender a Deus!
    Eu concordo com a Samuel, você deve lançar um livro com esses seus contos fantásticos!
    Bjus
    http://www.elianedelacerda.com

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  3. Uau! Aline! Gosto muito do seu blog e das suas postagens antigas, que falam sobre coisas interessantes que aconteceram na sua vida! :) Incrível. <)
    ...
    Sobre essa história aí, eu achei meio bizarra. O.O Trágica no final, mas esse tal de Frank bem que mereceu, não éh mesmo?! xD Desgraçado! KKKD
    ...
    Vlw :)

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    1. PS.: KD q vc não posta coisas novas aqui, no seu blog?! O.o A última delas foi em setembro de 2015, se não me engano. :|
      Por favor, continue a escrever. <)
      ***Bjos...

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